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Mostrando postagens de 2012

Confissão Altruísta

Preciso me confessar para ajudar uma pessoa a ajudar outra pessoa da qual tenho uma responsabilidade por mim aceita em completo afeto. Sei que você não tem nada com isto: peço desculpas por incluí-lo neste assunto pessoal e familiar. Mas, o certo é que você tem um papel importante (infelizmente) de testemunha acusadora ou absolvedora. Não necessariamente para mim, mas para esta pessoa que preciso ajudar para que ela ajude quem de fato eu quero ajudar. É claro que, no final das contas, também pretendo ajudar a mim mesmo, já que minha felicidade completa está associada ao exercício deste afeto com esta pessoa que presumo precisar de mim... Veja: preciso de um alguém porque este alguém precisa de mim. Melhor: escolho este círculo (não sei como qualificá-lo) para sentir-me e para exercer-me pai. Você pode pensar que preciso da sua aprovação sobre a minha paternidade. Entretanto, lembre-se: escrevo não porque no fundo penso que preciso de você, mas porque penso que há uma pessoa que precis

Sobre Platão - A República - Livros II e III - Escolha e Formação dos Guerreiros

Logo após Sócrates ter mostrado os fundamentos, as características e os setores da cidade sã e da cidade não sã, o filósofo passa a se ocupar do critério para a seleção do melhor guerreiro possível e do critério para a escolha do conteúdo e da forma de melhor educá-lo. Este exame se inicia no final do Livro II e se estende à totalidade do Livro III da República de Platão. O guerreiro será escolhido por possuir um caráter filosófico, irascível, ágil e forte. Entendem-se tais características quanto ao corpo e quanto ao espírito. O corpo do guerreiro deverá ser veloz para alcançar o inimigo, forte para vencê-lo e raivoso o suficiente para desempenhar sua função com coragem; o espírito deverá ser manso para com os amigos, rude (irascível) para com os inimigos e deverá possuir uma índole filosófica, isto é, deverá discernir e identificar quem é amigo de quem não o é. Dever-se-á educar o guerreiro na arte da música e da ginástica, respectivamente. Entendem-se por música os discursos q

Sobre Platão - A República - Livro II - As cidades platônicas: suas qualidades e setores

Platão descreve, no Livro II da República , a origem e a composição de duas cidades: a sã e a não sã (excitada). Duas são as causas que necessariamente unidas geram tais cidades: (1) a impossibilidade de alguém bastar-se a si mesmo; (2) e a necessidade que uma pessoa possui de se juntar com outra para um determinado emprego. A cidade sã é aquela onde se unem ambas as causas com a finalidade de se preservar a espécie e a vida humana – finalidade que se apresenta como necessidade básica de alimentação, moradia e vestuário. Por sua vez, a cidade excitada é aquela onde se acrescentam o luxo e o conforto como metas a serem também conquistadas. O inevitável aumento territorial e demográfico de tais cidades é gerado quando estas duas causas são associadas ao princípio, também defendido por Platão, de que a natureza não fez todos os indivíduos iguais em aptidões e que se torna impossível um único indivíduo executar satisfatoriamente vários ofícios ao mesmo tempo. Com esta associação se pode o

Sobre Platão - A República - Livro II - Fundamentos da cidade e a arbitrariedade socrática

Após Glauco e Adimanto terem, respectivamente, elogiado a injustiça e a aparência de justiça, ambos solicitaram que Sócrates investigasse e dissesse qual a natureza da justiça e quais os bens que ela causa na alma de quem as possui, considerando-a apenas em si mesma e não em suas consequências externas. Sócrates suspeitou, por sua vez, que ao se descrever o nascimento de uma cidade, poder-se-ia observar a justiça e a injustiça aparecendo nela também, e, consequentemente, vendo a justiça num plano maior, como na extensão de uma cidade, poder-se-ia, na sequência, visualizá-la melhor no plano individual, isto é, na alma de quem a possui. Sócrates parte de duas causas para o nascimento de uma cidade: a impossibilidade de um indivíduo bastar-se a si mesmo e a necessidade que sente de várias coisas. A união de ao menos dois indivíduos é a procura da realização de um determinado emprego, isto é, da realização de certa finalidade desejada e buscada por ambos, para o benefício e o prov

Sobre Platão - A República - Livro II - A aparência como caminho à felicidade, segundo Adimanto

No Livro II da República de Platão, depois do discurso do Glauco defendendo a natureza e a origem da justiça, e o porquê a vida do homem injusto ser superior à do homem justo, Sócrates passa a ouvir o discurso do Adimanto, irmão do Glauco, que pretende completar o ponto essencial que este teria omitido. Adimanto procura completar o discurso do seu irmão no que se refere ao poder da aparência para se ter uma vida feliz. Segundo este orador, aqueles que recomendam às pessoas que sejam justas pensam e desejam, no fundo, apenas os benefícios e a reputação que a aparência de justiça causa àqueles que a tem. Mesmo entre os religiosos gregos pode se encontrar os que defendem os benefícios oferecidos pelos deuses àqueles que aparentam justeza. Há também os defensores, entre os povos e os poetas, de que a justiça é boa mesmo sendo difícil, enquanto a injustiça é vergonhosa apesar de fácil domínio e de ser agradável. Dizem eles que a aparência violenta a verdade, mas que é senhora da

Ceebja Londrina - Teatro - "O inferno são os outros"

Estou postando aqui, apesar da baixa qualidade da imagem e do áudio (gravado a partir de um telefone celular), o teatro que realizamos em novembro de 2011 no Ceebja Londrina. Esta peça foi uma adaptação da obra  Huis Clos , do filósofo francês Jean-Paul Sartre, comumente traduzida e conhecida no Brasil pelo nome  Entre quatro paredes . É desta famosa obra que ouvimos Sartre dizendo "o inferno são os outros", frase que deu origem ao título desta apresentação. Agradeço às calorosas participações das alunas envolvidas, Sônia, Vânia, Inês e Rosângela, que por vezes ensaiaram aos sábados no "buração" da Vila Portuguesa, com a minha participação e da minha mulher.

Sobre Platão - A República - Livro II - Glauco e o elogio à injustiça

O Livro II da República de Platão inicia com Glauco classificando três espécies de bens: (1) os que buscamos sem desejar as suas consequências, mas apenas a satisfação de si mesmos, como as alegrias e os prazeres inofensivos; (2) os prazeres que buscamos por si mesmos e por suas consequências, como a visão, a saúde e o bom senso; (3) e os bens que não os buscamos por eles mesmos, mas pelas vantagens que proporcionam, como, por exemplo, a ginástica, a cura de uma doença, o exercício da arte médica ou de outra profissão lucrativa (exemplos do Platão). Em seguida, Glauco questiona Sócrates em qual dessas três espécies de bens ele colocaria a justiça. Sócrates crê ser a justiça pertencente à espécie (2) mais bela para se alcançar a felicidade: à espécie onde buscamos os bens por si mesmos e por suas consequências. Já Glauco diz que a opinião da maioria das pessoas é que a justiça pertença à espécie (3) dos bens penosos que apenas são cultivados pelas recompensas que trazem. Em vista

Sobre Platão - A República - Livro I - Desconstrução de uma tese sofista: resumo do diálogo de Sócrates com Trasímaco

Pode-se dividir o Livro I da República de Platão da seguinte forma: primeiramente se tem uma espécie de introdução, na qual o autor situa o leitor na cidade do Pireu, na casa do Céfalo, durante uma festividade à deusa Bêndis dos trácios; encontra-se, na sequência, os diálogo sobre a natureza da justiça, envolvendo as personagens Sócrates e Polemarco e Sócrates e Trasímaco. Procurar a definição da justiça, para saber se é uma virtude ou não e se pode ou não conduzir o ser humano à felicidade, torna-se o objetivo deste Livro I. Vejamos um resumo do diálogo protagonizado por Sócrates e Trasímaco: Trasímaco apresenta a definição de justiça como sendo o interesse do mais forte e a consequente desvantagem do mais fraco. Sócrates assume esta tese e procura compreendê-la, já que uma tese sem justificativa permanece passível de múltiplas interpretações e, portanto, de variadas compreensões equivocadas. Para se entender melhor o exame socrático, torna-se preciso contextualizá-lo a partir da

Seria a justiça de Deus contraditória, segundo Platão?

Polemarco assume a tese , atribuída ao poeta Simônides, sobre a natureza da justiça ser devolver o que se deve, sendo o bem ao amigo e o mal ao inimigo. Embora eu não seja um leitor da bíblia sagrada dos cristãos, minha experiência em sala de aula contribui para alguns devaneios. Se imaginarmos que os propósitos de Deus são legitimados por sua lei, e que sua lei é expressão da sua vontade, então podemos concluir, junto com Polemarco, que se formos amigos do propósito de Deus receberemos como recompensa o bem (paraíso eterno); ao contrário, se formos inimigos do seu propósito, então teremos aquilo que merecemos: o mal (inferno eterno). "Na verdade, há recompensa para o justo" (Salmos 58.11)   "Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome" (Hebreus 6.10) Segundo alguns estudiosos bíblicos, Deus é todo perfeito, onipresente, onisciente e onipotente. É preciso que se entenda a questão do seg

Diabo a quatro

Esta noite sonhei que o diabo se disfarçava de aluno Incrivelmente ele estava lá, como adolescente, velho e adulto Havia uma cena interessante 34 estudantes prestando atenção no assunto Apenas ele, na última carteira, Cabeceando e rindo ironicamente de tudo Não! Ele não compreendia o nada... Lembro-me do seu olhar Da maneira como mudava do agressivo para o sarcasmo Da maneira como ao extremo me provocava o tom do gargalho. Inexplicavelmente ele preferia os mais jovens Em todas as turmas ele estava presente Preferia os mais inseguros e descontentes Fazia-se de vítima com aquela voz estridente Brigava comigo sem nem entender o assunto Esbravejava contra o mundo só pra me ver mudo Argumentava capciosamente como ardiloso astuto Só queria, no fundo, me deixar puto! Havia momentos em que o via quieto Apenas me observando, apenas me entreolhando Deixando-me “livre” no meu próprio silêncio Ele sabia que até comigo mesmo eu o sentiria Mais profundo que qualquer outro imun

Sobre Platão - A República - Livro I - Análise socrática da definição de Justiça apresentada por Polemarco

O livro I da República de Platão contém um diálogo entre Sócrates e Polemarco sobre a natureza da justiça. Polemarco assume a tese, atribuída ao poeta Simônides, na qual o justo é devolver o que se deve aos amigos e aos inimigos, sendo o bem àqueles e o mal a estes. Sócrates se utiliza de um método para examinar esta asserção. Vejamos, como sugestão de interpretação, algumas importantes passagens: Polemarco inicia afirmando que "é justo devolver aquilo que devemos". Sócrates encontra a exceção quando empreende o seguinte raciocínio: se alguém lhe pedir para guardar uma arma e após um tempo pedir sua restituição, o justo é devolvê-la ao requerente; mas no caso do requerente ter perdido a razão, e apresentar sinais de que tal restituição o será prejudicial, então o justo é não devolver a arma, e, portanto, não devolver o que se deve. Neste último caso, porém, quem não restitui e quem requere possuem uma relação de amizade. Observe como Sócrates transporta a tese que p

Sobre Platão - A República - Livro I - A busca pela Justiça como Princípio Regulador

O livro de abertura da obra A República de Platão apresenta uma busca pela definição da natureza da  justiça . Há uma passagem, entretanto, onde Sócrates expõe a Trasímaco (e presentes) a justificativa de tal exame, afirmando que "devemos analisar melhor o problema, pois não se trata de uma discussão a respeito de uma trivialidade, mas sobre o modo como temos de regular a nossa vida". Tais palavras apontam para a necessidade de se alcançar uma definição precisa e não contraditória que garanta a segurança de uma organização ética e política a partir de tal princípio regulador. A própria ideia (forma) de justiça permite, segundo Sócrates, um modelo para que se construa um sólido sistema jurídico para a pólis . Sócrates afirma, no término do livro I, que não se encontrou o que se buscava. Compreende-se, com estas passagens, que Sócrates possui a crença na possibilidade da existência de uma definição sobre o que seja a justiça, e que tal definição deva servir de princípio r

Filosofia “ao pé da letra”: o texto filosófico na EJA

Sabe-se que a EJA (Educação de Jovens e Adultos) foi instituída com a finalidade, dentre outras, de promover o desenvolvimento da autonomia intelectual do estudante privado dos estudos em alguma etapa da sua vida. As diretrizes que norteiam os trabalhos com essa modalidade almejam a emancipação humana através do exercício de uma cidadania democrática. Através de seus eixos temáticos, a disciplina de Filosofia pode oferecer, no contexto da EJA, importantes reflexões sobre “o como” e sobre “o quê” os filósofos pensaram e discutiram racionalmente no decurso da história, aproximando os estudantes aos temas que eles já vivenciam silenciosamente. Convencido de que tal experiência deve ser lenta para ser eficaz, e concentrada para ser permanente, o texto filosófico – ou aquele que versa sobre filosofia – se mostra, sobretudo, como o “solo” firme e duradouro no qual a experiência filosófica se dá e se repete, auxiliando o estudante a confrontar inúmeras dificuldades herdadas de uma histó