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Sobre Platão - A República - Livro II - As cidades platônicas: suas qualidades e setores

Platão descreve, no Livro II da República, a origem e a composição de duas cidades: a sã e a não sã (excitada). Duas são as causas que necessariamente unidas geram tais cidades: (1) a impossibilidade de alguém bastar-se a si mesmo; (2) e a necessidade que uma pessoa possui de se juntar com outra para um determinado emprego. A cidade sã é aquela onde se unem ambas as causas com a finalidade de se preservar a espécie e a vida humana – finalidade que se apresenta como necessidade básica de alimentação, moradia e vestuário. Por sua vez, a cidade excitada é aquela onde se acrescentam o luxo e o conforto como metas a serem também conquistadas. O inevitável aumento territorial e demográfico de tais cidades é gerado quando estas duas causas são associadas ao princípio, também defendido por Platão, de que a natureza não fez todos os indivíduos iguais em aptidões e que se torna impossível um único indivíduo executar satisfatoriamente vários ofícios ao mesmo tempo. Com esta associação se pode observar o surgimento de alguns setores dentro de ambas as cidades.

A cidade sã se inicia com o primeiro setor se organizando em torno das necessidades básicas. Este setor é composto dos agricultores/lavradores, dos construtores/pedreiros e dos tecelões/artesãos. O princípio platônico que versa sobre a necessidade de especialização de um indivíduo, para que haja quantidade, qualidade e facilidade na produção de seu objeto, faz nascer o segundo setor da cidade: aquele composto pelos carpinteiros, ferreiros, boiadeiros, pastores e outros operários em geral. Torna-se necessário, com o aumento da cidade, de um terceiro setor: o dos comerciantes e negociantes; daqueles que têm a função de importar e exportar produtos, já que é impossível, segundo Platão, fundar uma cidade tão numerosa num local onde tudo tenha para abastecê-la. Se o comércio acontecer pelo mar será preciso pessoas versadas na arte da navegação. O quarto setor nasce da necessidade de se permutar os produtos no mercado interno. O dinheiro aparece como “símbolo do valor das mercadorias permutadas”. As pessoas que se ocupam desta  profissão são, geralmente, mais fracas de saúde e incapazes de qualquer outro trabalho. Este setor é representado pelos mercadores. Encontra-se, por fim, o quinto setor: o dos assalariados; o setor daqueles que não têm talento para outro tipo de serviço e que por sua força física prestam serviços pesados em troca de salário. Todos estes setores se relacionam, segundo Platão, para que seus integrantes possam viver em paz, com saúde e por longo tempo em todas as suas gerações.

A cidade excitada possui, entretanto, a necessidade de um estilo de vida menos simples e tranquilo e mais luxuoso e confortável. Em decorrência desta necessidade, por assim dizer, artificial, a cidade aumenta de tamanho aumentando seus setores. Agora há espaço para outras profissões, tais como caçadores de todas as espécies, imitadores em geral (poetas ambulantes, atores, dançarinos etc.), pedagogos, amas, governantas, criadas de quarto, cabelereiros, cozinheiros e mestres cozinheiros, porqueiros, criadores de gados de todas as espécies (para consumo de carne), médicos e guerreiros. A cidade excitada já não terá tanta saúde e paz, uma vez que neste estilo de vida se exige ultrapassar os limites do naturalmente necessário e se entregar a uma “insaciável cupidez”. A ambição pelo conforto e pelo luxo é a paixão, segundo Platão, que origina a guerra e, consequentemente, o exército.

Platão passa a descrever, após este trecho do Livro II, a forma e a importância de se bem educar os defensores do Estado, para que estes garantam os bens da cidade contra seus possíveis invasores. Todo este percurso argumentativo visa construir o modelo de uma cidade em formação, para que se visualize melhor a presença da justiça e da injustiça entre os indivíduos – tópico que se verá adiante.
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PLATÃO. A República de Platão; tradução de Enrico Corvisieri. Nova Cultural, São Paulo: 1999.

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