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Confissão Altruísta

Preciso me confessar para ajudar uma pessoa a ajudar outra pessoa da qual tenho uma responsabilidade por mim aceita em completo afeto. Sei que você não tem nada com isto: peço desculpas por incluí-lo neste assunto pessoal e familiar. Mas, o certo é que você tem um papel importante (infelizmente) de testemunha acusadora ou absolvedora. Não necessariamente para mim, mas para esta pessoa que preciso ajudar para que ela ajude quem de fato eu quero ajudar. É claro que, no final das contas, também pretendo ajudar a mim mesmo, já que minha felicidade completa está associada ao exercício deste afeto com esta pessoa que presumo precisar de mim... Veja: preciso de um alguém porque este alguém precisa de mim. Melhor: escolho este círculo (não sei como qualificá-lo) para sentir-me e para exercer-me pai. Você pode pensar que preciso da sua aprovação sobre a minha paternidade. Entretanto, lembre-se: escrevo não porque no fundo penso que preciso de você, mas porque penso que há uma pessoa que precisa de você para que outra pessoa que precisa de mim possa ser ajudada. Resumindo: você está convocado para me ajudar a ajudar... Desculpe-me mais uma vez por isto.

Sabe o que é mais estranho: é que no fundo não é bem você que vai desempenhar este papel, mas o “você” que está dentro do pensamento desta pessoa que acha que sabe quem você é. Você é para esta pessoa “alguém” que está dizendo o que é certo, o que é errado, o que é desejado, o que pode ou não pode, enfim, o que se deve fazer com a vida. Veja como você se tornou importante para ela! Toda a vida dela é justificada através do teu olhar. Imagino, no entanto, que você não seja exatamente como esta pessoa acha que você é. Também não quero arriscar pensar que você seja isto ou aquilo – embora, de algum modo, eu o esteja fazendo. Só quero pedir-te licença, mais uma vez, para dizer resumidamente o que penso sobre o mundo desta pessoa:

Ela tem ao menos duas escolhas possíveis: (1) ou decide acreditar que o “você” que está dentro dela tem superpoderes, sendo capaz de puni-la ou prestigiá-la, tornando-a, consequentemente, refém para o sucesso ou o fracasso – e neste caso a responsabilidade será sempre deste “você”; (2) ou ela decide acreditar que o “você” que está dentro dela tem poderes limitados, não o suficiente para torná-la fracassada ou parabenizada, sendo unicamente responsabilidade dela própria a interpretação sobre este “você” e sobre si mesma – e neste caso a responsabilidade será sempre assumida por si própria (escolha da qual compatibilizo). Eis o ponto que interessa: a interpretação que ela cria de “você” é, no fundo, uma ilusão para que ela mesma justifique sua própria vida perante seus olhos (a palavra “seus” não se refere a você, mas aos olhos dela depois de contemplar os olhos do “você” que está dentro dela). Se isto for verdade, e acredito que o seja, o “você” que está dentro dela pode se apresentar com vários rostos, ocupações e característica, mas todos estes “vocês” estarão sempre se referindo a certas exigências morais que existem sustentadas apenas com a função de justificar a vida dela.

Pois bem: chegou o momento da minha confissão: o “você” que está dentro de mim está me dizendo que sou o único responsável pelas escolhas que faço; pelas consequências que assumo; pelo caminho que devo seguir para ser feliz. Devolvo a este “você” justamente o mesmo pensamento: “seja feliz da maneira que te convier; escolha ser feliz permitindo-se ser livre para isto, mesmo que tua felicidade dependa de sentir-se escravo. Respeito tuas necessidades, justamente porque sei que ‘você’ que está em mim é livre e compreensivo para com as minhas. Descobri que não sou feliz me sentindo vítima. O poder que ‘você’ tem sobre minha felicidade é simplesmente o de conferir a responsabilidade da minha felicidade somente a mim mesmo. Sou o único responsável, no fundo, por minhas escolhas acertadas ou não”.

Acredito que esta pessoa que preciso ajudar para que ela me ajude a ajudar quem de fato quero ajudar (e que precisa da minha ajuda) esteja, contudo, relacionando-se com um “você” bastante cruel; com um “você” que tem o poder de acusá-la de fracasso... Acredito que ela acredita que a felicidade dela dependa deste “você” deixar de puni-la para parabenizá-la. E penso que ela só receberá os parabéns deste “você” quando ela conseguir mostrar para este “você” que ela não merece ser chamada de fracassada, porque a culpa não foi dela pelo que aconteceu. Esta crença dela está fazendo com que ela gere problemas para mim e para a pessoa que precisa de mim, apenas para que ouça de “você” que a culpa não foi dela. Acho que você pode ajudá-la, se acaso entender que ela não depende desta visão que você tem dela para que ela seja absolvida, mas apenas da visão que ela tem de si mesma e do “você” que há dentro dela. Imagino que ela será ajudada quando compreender que você é livre, e que nenhuma exigência pode servir de desculpa para castigar quem quer que seja, já que você também está condenado a ser responsável por sua própria felicidade. Em suma, acredito que ela precisa perceber que você não é o “você cruel” que está dentro dela; ela precisa perceber que você não a vê fracassada só porque ela não conseguiu uma coisa que queria; ela precisa te desculpar, já que ela pensa que você é este “cruel” que a acusa e a faz sentir-se eternamente envergonhada; ela precisa entender que esta crueldade não é tua, mas dela mesma.

“Perdoar para ser perdoado”, já dizia um antigo verso.

Obrigado pela paciência.

Obs.: Usei artigos masculinos apenas para padronizar a escrita.

Comentários

  1. Poxa, adorei o "antigo verso", acabei por entender a meu modo que todos esses "vocês" precisam se perdoar para perdoar e serem perdoados.

    Sua admiradora M* H*

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