Seria a justiça de Deus contraditória, segundo Platão?

Polemarco assume a tese, atribuída ao poeta Simônides, sobre a natureza da justiça ser devolver o que se deve, sendo o bem ao amigo e o mal ao inimigo. Embora eu não seja um leitor da bíblia sagrada dos cristãos, minha experiência em sala de aula contribui para alguns devaneios. Se imaginarmos que os propósitos de Deus são legitimados por sua lei, e que sua lei é expressão da sua vontade, então podemos concluir, junto com Polemarco, que se formos amigos do propósito de Deus receberemos como recompensa o bem (paraíso eterno); ao contrário, se formos inimigos do seu propósito, então teremos aquilo que merecemos: o mal (inferno eterno).

"Na verdade, há recompensa para o justo" (Salmos 58.11) 

"Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome" (Hebreus 6.10)

Segundo alguns estudiosos bíblicos, Deus é todo perfeito, onipresente, onisciente e onipotente. É preciso que se entenda a questão do seguinte modo: Deus não fez o mal, mas este surgiu com Lúcifer quando se rebelou contra Deus; portanto, o mal está separado de Deus. Se Deus não tivesse o poder de destruir o mal, então teríamos que conceber que o poder de Deus é limitado, uma vez que acabaria onde começaria o do Diabo. Não é isto que se lê nas escrituras. Deus permite que o mal exista por que possui um propósito para isto. Imaginando que uma pessoa, durante sua vida, deposite mais bem do que mal em sua justa balança, torna-se provável que se tenha como recompensa o paraíso, já que se tornou mais amiga de Deus do que inimiga. Entretanto, existem certas interpretações, por parte de alguns seguimentos, que acreditam que se uma pessoa foi inimiga de Deus durante sua vida, mas no último momento ela se arrepender de tudo que fizera, portanto, deixar da condição de inimiga e passar à condição de amiga, ela também receba o que é justo neste caso: a salvação. Mas, em todas estas situações, aquelas pessoas que negaram o Espírito Santo e que se mantiveram inimigas do propósito de Deus serão punidas com a justiça divina: receberão o inferno eterno.     

"Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados" (Romanos 2:12).

"Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 6:23).

A essência de Deus é a bondade e a justiça. E aqui os problemas lógicos começam a aparecer. Se Deus é inteiramente bom e justo, e sua justiça significa recompensar os bons e punir os maus, torna-se necessário compreender que o inferno eterno não foi criado por Deus, mas será mantido por ele, uma vez que até o Diabo terá que sofrer sua punição:

Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai- vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos (Mateus 25:41).

Se Deus mantiver o inferno eternamente, então precisaremos aceitar, com o raciocínio platônico, que Deus todo inteiro bondade sustentará a existência eterna do mau. Em outros termos, da ação divina de um Deus bom, o mau será mantido. Se pensarmos como Sócrates, que ao calor não é dado esfriar, ao árido não é dado umedecer e do ato honesto não é dado a geração da desonestidade, então teremos que concluir que do bem não pode advir o mal e que a ideia de um inferno sustentado por Deus se torna contraditória: ou Deus não é inteiramente bondade, ou o inferno terá que morrer um dia, passando apenas a existir o bem eterno: o paraíso.

Reitero ao leitor que não sou estudioso bíblico e que estou aguardando comentários que procurem demonstrar que estas incompreensões lógicas são apenas frutos da minha ignorância.