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Sobre o conceito de sexualidade

Como entender psicanaliticamente o conceito de sexualidade?

Pensar a sexualidade a partir de um referencial teórico psicanalítico é pensá-la a partir de um registro biológico em relação ao registros sociocultural e psíquico. O ser humano é compreendido como animal mamífero, capaz de se alimentar e se reproduzir, dentre outras características; é, também, um ser social e cultural, o que o faz existir em relação a outros indivíduos, imersos num mundo de valores éticos, estéticos e políticos. Ele é, assim considerado, um animal humano.

Considerá-lo apenas a partir desses registros é, contudo, reduzi-lo a um campo de investigação estritamente objetivo, que desconsidera aquilo que ele tem de mais próximo, a saber, a sua subjetividade (nomeada aqui de registro psíquico). O ser humano é também um sujeito que se relaciona, que se identifica, que se emociona, enfim, que se posiciona frente ao biológico e ao sociocultural. Dizemos que ele é, nesse sentido, um ser psíquico. Melhor chamá-lo de ser humano, considerando-o, evidentemente, como um animal humano e psíquico.

Pensar psicanaliticamente a sexualidade é partir de uma lógica que a concebe como originária do registro biológico, ou seja, de uma fonte estritamente animal. A sexualidade é, portanto, um modo de ser do ser humano; é um modo de ser que se apresenta como uma busca pela satisfação e pelo prazer. Freud afirma que toda pulsão sexual tem um órgão como fonte, uma força quantitativa de pressão como característica, uma necessidade de se ligar a um objeto como meio e um objetivo de satisfação como fim. Essa satisfação é o que se nomeia prazer. Sexualidade é prazer, independente do meio pelo qual ela se realize.

Dizer que o ser humano é sexualidade é o mesmo que afirmar que ele busca se afastar do desprazer para alcançar a satisfação e o prazer. Sendo assim, quando ele se alimenta e sente prazer nessa alimentação, quando ele lê um livro e sente prazer nessa leitura, quando ele desenvolve um diálogo e sente prazer nesse diálogo, ou mesmo quando ele se relaciona sexualmente com outro indivíduo e se satisfaz nessa relação, ele está sendo essa sexualidade, que o atravessa integralmente desde o biológico até o psíquico.

A questão que torna o assunto complexo é que esse registro biológico não existe separado do registro sociocultural e do registro psíquico. Nesse sentido, a sexualidade se manifesta também em relação ao mundo simbólico, que é o mundo da sociedade, da cultura e da subjetividade. Tais mundos são os objetos (meios) pelos quais a satisfação é alcançada, seja da forma que for, inclusive através dos diversos sintomas que se manifestam em alterações psicossomáticas.

É nesse contexto que surgem duas questões importantes e excludentes: Existe uma determinação entre o registro biológico e os outros registros, ou existe apenas um condicionamento entre eles? Ou seja: a pulsão sexual aparece no indivíduo destinada a se ligar a um objeto específico, ou ela se liga a um objeto dependendo das variáveis condicionantes?

Assumir a primeira resposta é o mesmo que afirmar, por exemplo, que um indivíduo que nascera macho, devido ao seu aparelho reprodutor, estaria naturalmente determinado a buscar um indivíduo que nascera fêmea, para que o prazer pudesse ocorrer. Assumir a segunda resposta é o mesmo que libertar a pulsão dessa determinação com um objeto específico. É o mesmo que afirmar que a sexualidade se realiza através das primeiras experiências iniciais do indivíduo, condicionada por diversos fatores que se ligam ao seu desenvolvimento empírico.

É nessa segunda resposta que se compreende o estabelecimento da teoria psicanalítica, no que diz respeito ao conceito de sexualidade. Sendo assim, a sexualidade é, em si mesma, a priori, livre de qualquer objeto específico; ela é uma condição de possibilidade dos sentidos experimentados pelo ser humano; é uma condição sempre vivenciada e construída em concomitância aos registros simbólicos, e estes são, por sua vez, sempre relativos entre si.


A sexualidade é livre em seu registro originário, sendo apenas na vicissitude do seu desenvolvimento que ela se liga ao mundo da cultura, da sociedade e da subjetividade do indivíduo, materializando-se de um jeito singular, de acordo com o vir-a-ser humano.

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