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O Juramento Único da Uel

Ocorreu na UEL, no último dia 15, uma colação de grau em caráter especial, destinada aos alunos que comprovaram a necessidade de antecipação dessa última exigência para oficializar a formação. Eu estava ente eles. Pagamos o valor de R$ 80,00 para participarmos desse protocolo.
Dois dias antes recebi uma ligação da PROGRAD com a proposta de ser o juramentista da turma, ou seja, aquele representante dos alunos que pronuncia o JURAMENTO ÚNICO, cujo outros participantes acompanham com a mão direita estendida e repetindo as palavras “assim prometo” ao seu término. Evidentemente pedi um curto tempo para pensar e assim me comprometer de alguma forma.

Esse posicionamento foi motivado por aquilo que critico nesse evento público. Todos que já acompanharam uma colação de grau da UEL, em Londrina e no ginásio Moringão, conhecem bem sua dinâmica. Penso que se forma um espaço público, no qual alguns representantes da sociedade aproveitam para mostrar seus "feitos" e suas respectivas "contribuições" para a população; trocando em miúdos, esse espaço parece mais um grande evento onde a publicidade é colocada para alcançar os familiares, alunos e demais participantes que ali se encontram como mero receptores. Discursos e mais discursos são inseridos: padre, pastor, vereador, diretor, reitor e muitos outros aproveitam suas oportunidades para vangloriar seus feitos e exaltar suas intenções. A lembrança de que problemas existem são geralmente sintetizadas em alguma frase que não ultrapassa 15 segundos; em contrapartida, “as coisas boas” são lembradas e inculcadas no espectador durante mais ou menos 2 horas seguidas, mascarando as ameaças aos diversos interesses e distorcendo alguns fatos que poderiam revelar as fragilidades de suas representações. Desse modo, para uma pessoa pouco atenta, torna-se provável que a instituição saia como uma deusa da educação, capaz de realizar feitos tão nobres que o aluno deveria até pedir desculpas, caso algum dia se sentisse ignorante quanto a qualquer assunto. Ora, sabemos que as coisas não são bem dessa maneira; muitos alunos sofrem para se formarem; sofrem com maus professores; com péssimos departamentos; com funcionários preguiçosos e incompetentes; com valores altos nos transportes e nas alimentações (apesar da pouca qualidade nesses serviços); com alguns setores da biblioteca beirando a “novidade”; com salas de aula pouco ventiladas; com banheiros fechados; com mato alto; com falta de segurança eficiente; e, principalmente, com a insuficiência dos investimentos destinados às melhorias dessas condições – apesar de enormes repasses financeiros com essa finalidade. Seriam as corrupções provocadas pelo tempo e pelo uso que gerariam o falecimento das estruturas?


Mesmo assim, sabendo que a duração da colação de grau especial seria bem reduzida (cerca de trinta minutos) em relação àquela outra, já previra alguma cena que se remetesse àqueles moldes de hipocrisia que acabei de descrever. Mas, sabendo que precisava passar por aquilo para finalmente ter acesso ao certificado de conclusão de curso, avaliei a possibilidade de ser juramentista e de representar, muito singelamente, meus pensamentos sobre aquele ato de jurar; pensei em algo que pudesse revelar alguma contradição interna naquele momento e do qual criaria uma imagem ativa nesse processo passivo. Acredito que quando o aluno toma a palavra, tem um papel de representante dos outros; não só o de representante, mas o de contribuinte da Instituição; é como um pelego que, disfarçado de aluno, faz com que a engrenagem do sistema rode sem nenhuma interferência. Dessa forma, tendo essa opinião sobre esse protocolo, e sendo convidado a desempenhar tal função, até me senti bastante calmo ao aceitá-lo, sob a condição de introduzir singelas palavras sobre aquele momento. Obviamente, como você deseja saber o desfecho dessa estória, transcrevo minhas palavras introdutórias para uma avaliação pública:
"No papel de representante dos alunos e do curso de Filosofia, introduzo esse momento com uma pequena e singela reflexão sobre a função do juramento. O juramento tem a intenção de representar um compromisso perpétuo; em outras palavras, comprometer-nos-emos pela nossa vida com valores que ainda não sabemos se serão desejados para sempre, isto é, se realmente serão os melhores quando estivermos exercendo nossas profissões. Prometemos ser fiéis aos preceitos éticos; mas será esses preceitos estáticos para sempre? Será que são adequados diante da realidade que encontraremos? O filósofo Gabriel Marcel disse que o homem livre é aquele que pode prometer e pode não cumprir. Diante disso, penso se seria honesto condenarmos as gerações futuras com uma decisão que hoje tomamos; seria como se chegássemos aos 50 anos movidos por um pensamento de quando tínhamos apenas 20. Será que nossos compromissos não deveriam abrir a possibilidade de preservar o direito de mudanças? Visando essa finalidade, pretendo reafirmar nossa condição de seres livres; proponho uma reflexão sobre o que diz e sobre o que não diz o juramento: eis a promessa!"


Claro que são palavras inofensivas e, até certo ponto, bastante sonhadoras; mas já que passamos por esse protocolo bastante irreal, pensei não haver problemas numa ingênua manifestação espontânea por parte do “alunado”. Por algum motivo desconhecido, minha condição não foi aceita e uma moça foi convidada para fazer o juramento de forma tranqüila, rápida e eficiente. Da minha parte, não vejo maiores problemas nas palavras do JURAMENTO ÚNICO do que nas últimas palavras do reitor em exercício, quando sugeriu que devolvêssemos para a sociedade tudo aquilo que de graça recebemos da Universidade: ainda bem que não juramos a isso também!
E para terminar, transcrevo abaixo os bramidos do JURAMENTO ÚNICO da UEL:

“Prometo exercer minha profissão, fiel aos preceitos éticos. Prometo dar de mim o melhor, a inteligência, a honra e a fé, para elevar a criatura humana, construir a grandeza do Brasil e buscar a união dos homens e dos povos, voltado para os ideais maiores de justiça e paz, que se fazem de respeito e retidão. Assim o prometo”.

Comentários

  1. Boa Tarde, Tiago.
    De fato eu concordo com você e o filósofo Marcel.....se não tivermos a liberdade para desfazer então estaríamos aprisionados e, mais ainda, para o criar novas formas do fazer de um velho fazer...Confesso que na minha espontãneidade também gosto de citados do velho juramento, pois há no que se identifique com minh"alma...
    Grande abraço para vocêr,

    MHel

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  2. bom Tiago, ralmente é uma coisa a se pensar, eu pensei nesse momento sobre aquele caso dos alunos de medicina, que fizeram baderna no pronto socorro do HU e que foram impedidos de colar grau, conseguindo realizar tal solenidade sob liminar judicial.
    E no dia da colação todos os alunos se levantaram para proteger os 14 acusados.... Como essas pessoas tiveram a coragem de fazer um juramento desses? Eu imagino que essas pessoas daqui a uns dez anos em suas clinicas particulares porque evidentemente esas pessoas jamais trabalharão em hospitais publicos, tirando sarro dessa ¨babaquiçe de juramento¨ e que o ¨unico juramento que eu conheço é deixe o cheque na recpção, ou use o cartão¨. É bem interessante sua observação..

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  3. Caro Almir,

    Obrigado pela observação; muito oportuna sua lembrança sobre esse fato; caso as coisas aconteçam da forma como você prevê, prefiro passar bem longe dessas clínicas. Você sabe o nome desses médicos?

    grande abraço,
    Tiago.

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