Existe uma relação
possível entre os físicos Newton e Einstein: este seria a superação daquele, e
se a humanidade ainda insiste em falar sobre Newton, nada mais é do que para assumir
seu valor historiográfico e/ou didático numa fase do Ensino Básico. A mesma
compreensão não pode ser, no entanto, transportada para a relação entre os
filósofos Platão e Foucault. Este não é a superação daquele, nem tampouco
Platão poderia ser considerado ultrapassado em relação ao pensador francês, já
que em filosofia se avalia mais o poder (onto) lógico do que o poder cronológico das
teorias. Se o paradigma einsteiniano compreende e explica os fenômenos que o
paradigma newtoniano falhou em compreender, ao ponto de se descartar o valor
prático deste em função daquele, em filosofia o mesmo não acontece. Se Foucault
constrói conceitos que se mostram importantes na compreensão do contemporâneo,
não o faz contra Platão, mas com ele e apesar dele; Platão é a base do contexto
pelo qual a trama conceitual é tecida em filosofia, proporcionando a vivacidade
e a inteligibilidade da filosofia contemporânea. A rede filosófica está lançada
e cada pensador representa um nó na compreensão e na descrição da existência.
Quem está mais próximo
da disciplina de filosofia sabe que perpassa, em toda a sua história, duas
ideias de ordem, por assim dizer, em relação a todos aqueles que enfrentam com
seriedade suas exigências. Tais ideias são representadas por duas frases – não
tão clichês quanto podem parecer – encontradas na época do filósofo Sócrates:
“só sei que nada sei” e “conhece-te a ti mesmo”.
A primeira é pronunciada
no momento tão caro a todos aqueles que se colocam no filosofar: o momento da
crise, isto é, o momento em que se reconhece que as crenças cotidianas,
irrefletidas e naturais assumem um lugar de supervalorização e substituição do
que se entende e se vivencia por realidade, ou, numa linguagem não menos
filosófica, por verdade (alétheia). Reconhecer a crise em si mesmo não é o fim
desejado pelo filósofo, mas o começo e a possibilidade de se adotar uma atitude
reflexiva e filosófica propriamente dita. Pronunciar o “só sei que nada sei” socrático
é admitir uma crosta de ignorância que perpassa o próprio ser do humano, e tal
crosta, entendida como nefasta por grande parte dos filósofos, deve ser
combatida e rejeitada por aqueles onde a angústia se faz ser. Penso que mais
vale uma vida de crise do que uma vida de certezas absurdas. Quem consegue
atingir este status consegue combater
uma das doenças mais desprezíveis que existe em nossa cultura: o dogmatismo (preconceituoso).
Uma atitude dogmática, por exemplo, torna-se o fundamento de uma atitude de
violência contra o diferente; uma atitude de crise faz, ao contrário, o ser
humano reconhecer a possibilidade de estar errado sobre o que acreditava,
fazendo-o sopesar ao menos duas vezes antes de agir inconsequentemente. O
primeiro passo para quem quiser se apropriar da filosofia é reconhecer suas
próprias convicções, procurando sua origem, seu sentido e sua natureza. Por
este motivo, informei aos estudantes, do primeiro ano matutino e noturno do
curso de artes visuais, que tentaríamos colocar o conceito de arte em crise;
tentaríamos acompanhar como alguns pensadores partiram desta crise para procurar
estabelecer uma suposta linha demarcatória entre o que é arte daquilo que não o
é.
A segunda frase é, talvez,
a principal ordem na filosofia: conhecer a si mesmo independentemente do
caminho e do local onde se passará e se chegará: o que importa é a compreensão,
seja ela intuitiva ou lógica, respeitando, obviamente, critérios estritamente
filosóficos que nunca estiveram ausentes de nenhum pensador (pelo menos não dos
que conheço por filósofos). Pode parecer complexo, mas por mais complexo que
seja, parece ser simples o caminho a ser percorrido: se arte (ars, tékne,
póiesis) é uma criação cultural, valorativa e histórica, portanto, humana, a
pergunta que não se deve calar é a seguinte: quem é ou o que é este
que produz algo a partir de algo e que pretende classificar este procedimento
de arte? Propus aos estudantes, por compreender que não se delimita algo humano
sem saber primeiramente quem é este humano, uma abordagem sobre os fundamentos
filosóficos da teoria psicanalítica de Sigmund Freud e das teorias
fenomenológicas de Edmund Husserl, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e
Martin Heidegger. Não mantive ausente, contudo, uma introdução de alguns
termos, apresentados por Benedito Nunes, que julgo importantes para a
construção de um horizonte de discussão no campo da filosofia da arte.
Se o interesse do estudante é o de
aprender aquilo que a filosofia pode ensinar, a primeira postura deve ser a de
buscar, e não a de receber. Os livros para serem apresentados nos seminários
estão oferecidos à celebração; dificuldades muitos têm; transferir as fraquezas
para outrem, muitos fazem. Qual será a atitude do (a) ilustre estudante de
Artes Visuais? Espero que este momento fecundo de discussão possa servir para semearmos ideias
e ideais, assim como os seminários semearão a vitória do curso.
Vejo mais como um sinal de força do que de fraqueza o fato de que minhas limitações
no campo da filosofia, no campo da arte e até no campo da existência não tenham
sido obscurecidas por um discurso pedante-introdutório, já que considero a autenticidade um valor a ser
constantemente buscado e a hipocrisia um valor a ser constantemente rechaçado.
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